Os
motoristas do Rio têm agora um novo desafio. Cansados de terem seus carros
furtados (quando o bem é levado sem a presença do dono), eles entupiram seus
veículos com os mais diversos dispositivos de segurança e fizeram com que este
tipo de crime fosse reduzido. Passaram, desde então, a enfrentar as quadrilhas
armadas que saíam para roubar carros. Nos últimos tempos, não só as quadrilhas,
mas também bandidos sozinhos ou em dupla passaram a ameaçar quem está
dirigindo. Tudo isto com uma agressividade cada vez maior.
O
delegado da Delegacia de Roubos e Furtos de Autos (DRFA), Gilberto Ribeiro,
afirma que o roubo de carro transformou-se num crime necessário para se cometer
outros como tráfico e assaltos. Titular desde dezembro, ele conta que o roubo
também passou a ser uma forma de sobrevivência para criminosos ligados antes a
outros delitos. Os lugares preferidos para o ataque, segundo ele, são as ruas
próximas a favelas.
Os
bandidos ficam armados sozinhos ou em dupla numa moto em vielas de favela.
Atacam o motorista, tiram os pertences do condutor, as peças mais lucrativas do
carro e abandonam o veículo, que vai sendo depenado até sumir. Certamente,
houve um aumento da agressividade com este tipo de criminoso, contou o delegado
que encontrou dois locais de desmonte este mês. Era impressionante. O chão era
uma lama de óleo e quase não havia carro. Encontramos carroceiros que esperavam
o carro ser levado para queimar, cortar e vender o ferro a peso. Num assalto
deste tipo, qualquer reação, por mais natural que seja, passa a ser uma ameaça
para quem está no carro. O bancário Paulo Gomes de Azevedo, de 45 anos, saiu de
carro para comprar pão no Rio Comprido, em outubro de 2004. Numa esquina, viu
homens armados e decidiu dar ré no veículo. Ele conta que, na hora, não teve
certeza se era um assalto.
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“Eles começaram a atirar com fuzis”. Levei um tiro na cabeça de raspão. Perdi a
audição e tenho dificuldades para enxergar. Preparei-me à vida toda para não
reagir a um assalto. Mas na hora foi um instinto e acabei tentando fugir, não
de um assalto, mas de uma confusão. Hoje tenho medo de tudo, não saio à noite e
fico apreensivo se meus filhos estão na rua contou. A mesma agressividade foi
usada contra o projetista Edílson Leal, em Irajá, um dos bairros com o maior
índice de roubos de veículos. Ele conta que em dezembro de 2003, levava a
mulher para a fisioterapia quando, saindo de um sinal, viu um homem armado. Ele
acelerou o veículo, mas não conseguiu escapar de um tiro que acertou suas
costas e se alojou na espinha. Ficou quase um ano internado. Hoje, depois de
muita fisioterapia, já dirige novamente, segundo ele, sem medo.
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“Tive apoio na família e no trabalho. Tenho que pensar para frente. Na hora
você se assusta e não pensa em nada. Age por instinto”.
Segundo
a fisioterapeuta Ana Luísa Baptista, da ABBR, Edílson Leal de Oliveira, de 41
anos, faz parte de uma triste constatação. No ano passado, o número de pessoas
atendidas com lesões na medula causadas por tiro foi, pela primeira vez em 50
anos da entidade, maior que o de pessoas vítimas de acidente de carro.
O
ferimento por tiro é mais grave porque, além da lesão, há queimadura no tecido
ao redor da medula, o que torna a recuperação mais difícil explicou a médica. (O
Globo/RJ)
Viver
em alguns bairros da Zona Norte do Rio está não apenas mais perigoso, mas agora
muito mais caro que em bairros da Zona Sul. Pelo menos para quem tem carro e
quer fazer um seguro, algo que pode custar até 6 (seis) vezes mais para quem
mora em Olaria do que para um morador da Gávea. Além do risco maior de perder o
patrimônio, cresceu a possibilidade de perda da vida neste tipo de crime. Houve
uma mudança no perfil dos ladrões de veículos, em parte ligados a quadrilhas
organizadas do tráfico, que são mais violentos e dispostos a matar suas
vítimas. Numa política adotada há pouco
mais de dois anos, as seguradoras passaram a cobrar valores diferenciados pelos
bairros. No início, a diferença era pequena e foi crescendo até chegar aos
valores atuais. O motivo que faz a diferença ser tão elástica é a estatística
dos números de roubos e furtos de veículos no Rio.
Violência
cria “apartheid” social
Para
diretor do sindicato, esta violência causa uma espécie de “apartheid” - Segundo
o diretor do Sindicato das Seguradoras do Rio de Janeiro, Roberto Santos, há
dois anos cerca de 40% de carros roubados e furtados no estado estão
concentrados em apenas cinco Áreas Integradas de Segurança Pública (AISPs) das
38 do estado. As cinco ficam na Zona Norte do Rio (Méier, Maré, Olaria, Rocha
Miranda e Bangu, que pega parte da Zona Norte). Nelas, moram apenas 20% da
população do estado.
Além
disso, ao longo dos anos, o percentual de veículos roubados e furtados em
relação à frota do Estado do Rio tem se modificado muito pouco e está sempre
num patamar considerado muito alto: próximo de 1,5% da frota.
Isto
cria um apartheid social. As pessoas que têm maior poder aquisitivo pagam menos
e as que têm menor, mais. Isto é ruim para a sociedade e para as seguradoras,
que estão perdendo clientes nesta região devido ao preço que eles têm que pagar
afirmou Roberto Santos.
Numa
consulta feita pelo GLOBO às duas maiores seguradoras, a Porto Seguro e a Sul
América, as diferenças de preços são gritantes em todos os tipos de carro. Na
pesquisa, foi pedido um valor do preço do seguro para um perfil de usuário
(homem de 40 anos, sem filhos, com garagem) para diferentes bairros da cidade.
A diferença de preço num Gol GIII, o carro mais barato da Volkswagen, chegou a
364% entre a Gávea e Olaria, na Porto Seguro.
Já
no Fiesta, carro médio da Ford, a diferença chegou a 80% na Sul América. O
Vectra, carro de luxo da Chevrolet que custa cerca de R$ 66 mil, mostrou a
maior diferença entre bairros: 608% maior em Olaria que na Gávea. O preço do
seguro do Vectra na Porto Seguro seria suficiente para comprar um carro popular
novo.
O
risco de um carro ser roubado nessa região é muito maior. Enquanto em alguns
bairros o percentual de carros roubados não passa de 0,5% da frota, em outros
ele chega a 6%. Por isto, o preço é mais alto explicou Roberto.
Quem
paga a conta pela insegurança é o morador dos bairros da Zona Norte. Ou melhor:
não consegue pagar, como foi o caso do fotógrafo Ricardo Costa, morador da
Pavuna, bairro que tem a maior incidência de roubos de veículos no Rio. Ano
passado ele comprou um Fiat Uno ano 1998. Quando foi consultar o preço do
seguro, desistiu. O valor correspondia a pouco mais de 25% do preço que pagara
pelo veículo.
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“Seguro de carro de pobre é Deus” - Não tenho como pagar. Ando com muito medo.
Preferia pagar e ter tranqüilidade disse Ricardo.
Além
da Pavuna, bairros como Penha, Olaria, Madureira, Vila da Penha, Bonsucesso e
outros da Zona Norte sofrem com roubos e furtos quase diários. No ano passado,
roubava-se por dia no estado 142 veículos em média. Quando a Secretaria de
Segurança divulgava a taxa de policiais por habitante, essas regiões tinham
sempre uma taxa menor que a da Zona Sul. Mas números, que não são mais
divulgados nem são necessários. Basta circular pelas ruas desses bairros à
noite para constatar a notória falta de policiais militares, responsáveis pelo
policiamento preventivo.
Se
nessas regiões as taxas de roubo e furto se mantêm inalteradas, em outras houve
redução. Os preços dos seguros em áreas como Botafogo e Tijuca, onde os roubos
diminuíram, estão mais próximos dos seguros das áreas mais baratas do que das
caras.
Ali
as seguradoras viram que houve uma queda consistente e por isto o preço baixou.
No caso da Zona Norte, mesmo que caia num momento, ainda vai demorar para
reduzir o preço porque é preciso verificar isso afirmou o diretor do sindicato.
Desde
março, operações preventivas na região - Segundo o delegado titular da Delegacia
de Roubos e Furtos de Autos (DRFA), Gilberto Ribeiro, desde março os policiais
civis estão fazendo a operação Via Alerta. Vinte e duas patrulhas com policiais
civis que deveriam estar investigando fazem diariamente ronda preventiva, nos
horários e locais onde o mapeamento mostrou as maiores incidências desse crime.
Segundo ele, nos horários e locais onde o trabalho está sendo realizado, as
áreas das delegacias com maior incidência no Rio (Bonsucesso, Penha, Vicente de
Carvalho, Irajá, Pavuna, Inhaúma e Duque de Caxias, que fica na Baixada)
tiveram redução no número de roubos e furtos de veículos. Queremos passar a fazer essa operação em
outras regiões porque ela vem dando resultados significativos disse o delegado,
que preferiu não falar sobre a falta de policiamento preventivo na área da Zona
Norte. (O
Globo)